Costumo dizer que se desconhece o número 36, o meio “termo” entre o 8 e o 80. E esta imagem, mais do que uma graça popular, é uma crítica séria à forma como, em tantos domínios da vida social, mas em especial na educação, perdemos o sentido do razoável.
Durante décadas, combateu-se um modelo de ensino autoritário, repressivo, onde o medo era instrumento de “disciplina” e a humilhação fazia parte da rotina escolar. Professores com varas na mão, insultos disfarçados de ironia, castigos públicos — como tão bem retratado na cena brutal do filme “The Wall”, dos Pink Floyd. Nessa época, a escola era um prolongamento do poder autoritário do Estado, da moral dominante, da família opressiva. O verso “No dark sarcasm in the classroom” não era apenas uma linha de canção: era um grito contra o abuso disfarçado de ensino.
Mas com o tempo, e talvez por falta de um verdadeiro debate sobre o que significa uma educação justa e equilibrada, lamentavelmente, basculou-se para o extremo oposto. Hoje, muitos professores preparam aulas madrugada adentro para depois serem ignorados por alunos que, em plena sala de aula, namoram, brincam, percorrem redes sociais, ou simplesmente estão presentes de corpo mas ausentes de espírito. E os docentes, desautorizados e sem ferramentas, são cada vez mais espectadores impotentes da erosão da autoridade pedagógica.
Há, aliás, um fenómeno particularmente grave que não pode ser ignorado: muitos professores desistiram dos alunos. Desistiram de lutar, de tentar, de insistir — não por falta de vocação ou empenho, mas por abandono institucional. O Estado falha, desta vez pela inversa, ao não garantir um verdadeiro código de conduta com força de lei que imponha e faça valer o bom senso e que assegure aos professores os meios e a autoridade necessários para o aplicar.
Hoje fala-se muito de direitos — e ainda bem. Mas quase ninguém fala de deveres, alegadamente, por ser politicamente inconveniente! O discurso educativo tornou-se desequilibrado: exige-se muito à escola enquanto se lhe retiram condições e se desvaloriza o papel do professor. Confunde-se autoridade com autoritarismo, e liberdade com permissividade. E o resultado é uma escola desestruturada, onde poucos aprendem e muitos se perdem.
Precisamos urgentemente de reencontrar o tal número 36. Nem o chicote do passado, nem a indiferença atual. Uma educação exigente mas humana, rígida no essencial mas aberta à escuta, que forme para a liberdade e a responsabilidade. Uma escola onde o saber seja respeitado, e onde o professor seja agente de transformação, não alvo de desconsideração.
Entre o 8 e o 80 há um caminho sensato e maduro. Falta-nos coragem para o trilhar. Mas é esse o caminho da verdadeira educação.
Pel’O Secretariado Geral da ACRA
Mário Agostinho Reis